domingo, 17 de fevereiro de 2008

Dica de Verão: Uma Oficinazinha Literária

Não adianta: quando você escreve, há sempre algo na história que escapa a seus olhos de autor. Você é a cozinheira que degolou, depenou e limpou as tripas da galinha e já está impregnada demais para reconhecer o gosto verdadeiro daquilo na hora do almoço. É preciso de um outro alguém, ou melhor, de um círculo de leitores para entender o tamanho do que você criou. Leitores críticos, diga-se. Leitores perversos, diga-se. E o da melhor espécie é aquele que também é autor, por ter toda essa lenga-lenga de conhecimento sintático, de estrutura da narrativa, bagagem literária e, principalmente, estar competindo com você para o Nobel da Literatura de 2050. Ele quer ser seu melhor obstáculo.
Pois bem, recomendo a reunião de um grupo desses autores num mesmo espaço. É convidar por e-mail, mesmo que metade você só conheça por comentário de blog ou lidas passageiras aí no mundo, dizer o endereço e ir. Junte todos numa varanda ou numa sala. Diga que será a primeira de muitas e ponha uns no sofá, outros em cadeiras, chão, mesa, em pé. Cada qual com um texto de autoria própria no bolso e um livro de influência forte na bolsa. E começa. Leituras, colóquios e rabugentices saudáveis.
O bom é que cada escritor se torne o advogado de sua prosa e todos os outros, promotores. Quando um ler, o restante deve discutir à exaustão, miúdo por miúdo, pressionar, reconhecer o que for de reconhecível e não usar de eufemismos para insultar o imprestável. A gritaria que se levanta em seguida cresce qualquer humano. Depois, alguém faz uma exposição sobre algum autor e deixa que os outros na conversa, de repente, comecem a falar do destino da literatura e das características da nova geração, daqui a pouco com links em todas as abstratices, inclusive no lesbianismo da vizinha e no preço do feijão.
A gradação das reuniões é um bom charme. Sobrepujar o vínculo de leitores-em-conjunto para estimuladores. Alguns círculos de leitura após, e, portanto, cada um conhecendo minimamente o estilo de cada um, interessante iniciar uns exercícios. Como tentar escrever o conto do outro com o seu jeito ou fazer aquele cara depressivo do fluxo de consciência soltar uma crônica bem Veríssimo. E aí voa: sortear temas & gêneros para se escrever um conto e se trazer na próxima reunião, colocar a mocinha tímida para escrever um poema no meio da roda sob cantoria ou torcidas negativistas. Sim. O militarismo do "você vai se ultrapassar, imbecil". Manejar sarais abertos ao público, organizar um blog de escritos do grupo, sonhar coletâneas impressas, selo, editora, e o movimento que enfim revolucionará a arte.
Não existe desfecho visível, o ponto em que ganharão o canudo, ou mesmo um objetivo. O grupo não precisa levar nada dele além de um aprendizado. Sentir que amadurece a pena e se esbalda de áurea literata duas vezes por mês já é não cair numa apatia de criação ou se ver sozinho no ofício. E se for para acontecer algo extra, que aconteça, mas sem cobranças, apenas andanças.

Organização-Sugestão

1 - Reuniões quinzenais, no mesmo horário e no mesmo espaço. Sábado à tarde é um bocado democrático.
2 - A cada reunião, dois lêem textos e dois palestram sobre um autor, para que não se deixe nada apertado.
3 - Bom que os textos a serem lidos na reunião posterior sejam vinculados a todos previamente, por e-mail. Uns cinco dias antes, pelo menos.
4 - Os leitores-de-texto e palestrantes da reunião posterior são voluntários feitos na reunião anterior. Ninguém é obrigado a nada.

3 comentários:

Álvaro Andrade disse...

ORMIIZS"se torne o advogado de sua prosa"???
PROSA??????
Que caraleo de democracia é essa???
E a POESIA?????
Hein, hein???

HAUHAUAHAUAH

Foi bacana.

Álvaro Andrade disse...

e esse "ORMIIZS" era a senha pra postar que eu digitei no lugar errado...

:)

Unknown disse...

Vi algo parecido com isso num filme.