quarta-feira, 11 de junho de 2008

Intervalo para uma Crise - Literatura de Entranhamento

Por que estar atualizado nas letras, acompanhar exatamente cada um que se lança aqui & agora? Por que estar hoje à noite no evento da Braskem, comprar três livros de três novíssimos autores? Às vezes, como nesse instante, me soa uma obsessão banal, mais focada no puro andamento do que acontece do que a verdadeira preocupação com a feitura de nossos escritos. Pode vir para o bem, a garimpagem pode encontrar alguém que se engaje genuinamente no que faz, mas acaba que tentar demais catar o presente é dar atenção e valor a quem não merece. Para mim, uns 80% dos autores brasileiros de agora não fazem nem a metade do caminho do que seria, como posso chamar, a Literatura de Entranhamento. Nem parecem, na verdade, dispostos a superar isso. Preferem a coisa fácil, miúda, fazer uns trocadilhos. Preferem saber se escrevem bem, estilisticamente bem e só. Preocupações tolas, como se vai polemizar, se se vai agradar, se vai romper um novo tratamento de linguagem. Isso é o que há de mais fraco na literatura, é o que menos importa. A literatura é feita por pulsão de vida, e a vida é um absurdo, caralho, como é um absurdo estar vivendo, mas mesmo assim os novos autores parecem que escrevem como se ela já fosse comum. Leio e sinto apenas a textura do papel do livro, o baile das palavras, mas não como é completo o absurdo de estar aqui, de ter passado do microcosmo inválido para a célula, de então respirar, me alimentar, querer alguém do meu lado, ter crises e rumar invariavelmente para a morte. Escrevem como se não fossem morrer. O escritor que enalteço não, sabe bem o tamanho da morte que lhe virá e mesmo assim escreve. E esse, o Grande Escritor, como tantos, e citar nomes pode até soar como uma comparação falaciosa aos novos executores das letras, não escreve apenas para seus pares, não se diverte como quem solta confetes ao fazer o que faz, não fala apenas sobre o "cotidiano" ou um genérico de "condição humana" (quase todas as orelhas citam essas duas palavras? é, talvez não saibam muito bem do que falar), mas é aquele que descerá ao purgatório, ao inferno, numa missão dantesca, até achar a beleza de sua musa ao lado do trono eterno. Vai caminhar, entender-se, escrever, como quem não separa nada disso, como se tudo fosse a mesma matéria maciça de viver, e, principalmente, como quem escuta o tic tac da bomba.

domingo, 1 de junho de 2008

Bienal de Artes



Eu tenho uns tiques lingüísticos vez ou outra, e uns até que me acompanham por meses, como o "massa" para o sim e para o não, para uma coisa pronta ou para uma coisa entendida, e nesse sábado de recital eu peguei o "funcionou". Para todo mundo que eu cumprimentava, era um "funcionou". Na sexta vez, já me achava um puto repetitivo e me limitava a sorrir. Bem, é que é isso: para mim funcionou, de entusiasmar sim. Um lugarzinho bom lá na Escola de Belas Artes da Ufba, mas de poucos lugares e poucas luzes, com apenas um microfone para o recital, com todos os seus atrasos e defeitos de organização, com nossa inexperiência de estréia em evento, com a expectativa pessimista em eventos literários de Salvador (quais? quais?), com a dependência total do público para a continuação do recital, e mesmo assim rendendo gente e durando 2hs. 2hs, com apenas a pausa de uma intervenção de dança (pausa bem-comentada, disseram) E de resto, só declamatório. Nem música ao fundo, o que Paulo Scott, poeta gaúcho e mestre dos saraus pelo Brasil, declara como arriscado para um recital, perigando entediar o público sem costume de ver pessoas declamando. E foi esse todo-tempo, o povo sentado lá nas esteiras e nas almofadas, bebericando ora ou outra o sangue de boi e a cachaça que Wladimir Cazé e Bárbara gentilmente nos trouxe. Os declamadores funcionaram (sim, funcionaram): a meia-hora de James Martins (esse é do grupo performático Pós-Nada. A memória dele é que nem a do personagem de um conto de Borges, "Funes, o Memorioso", tudo o que lê, decora. Porra, e ainda aquela noção de polifonia), os cordéis de Franklin Maxado, o monólogo cangaceiro de um aluno de teatro da Ufba, leitores autorais, intérpretes de Hilda Hilst, Castro Alves, Adélia Prado, e vai etc. Tanto que Lima Trindade me comentou, temeroso, antes de ler um conto dele do livro Corações Blues & Serpentinas: "Será? O nível está alto".

No dia anterior, também aconteceu bem um café literário, com debate de quatro autores baianos, Sandro Ornellas, Carlos Ribeiros, Franklin Maxado e Lima Trindade, sobre o tema Literatura Baiana Contemporânea: Regionalismo vs. Cosmopolitismo Até inspirou Sandro na palestra ministrada por ele nessa semana na Argentina e lhe havia rendido um post em seu blog: "DÚVIDA DA MESA DE ONTEM - Escritor baiano contemporâneo: artista ou autista?". Sandro tratou desse isolamento proposital do escritor baiano, que acaba por torná-lo regional; Carlos, do panorama dos autores baianos pelo século XX e a distinção da Velha Bahia e a Nova, o que é e não é mais possível com a urbanização; Franklin, da discriminação que sofre a literatura de cordel e o enaltecimento da manutenção dos vínculos nordestinos; Lima, da junção entre esses dois termos, regionalismo vs. cosmopolitismo, que de jeito nenhum devem se confrontar e sim entrarem na simbiose da universalidade.

é possível? é.

Uma sobre a Literatura na Bahia

Do blog de Wladimir Cazé, boas falas:

"Eu, Sandro Ornellas e Katherine Funke faremos um "Recital de Poesia Baiana"Mayo de Las Letras, na cidade de San Miguel de Tucumán, noroeste da Argentina, na sexta-feira, 30 de maio de 2008, às 20h30, na Sala Caviglia (Rua San Martín, 251). Lerei trechos de meu folheto de cordel "A filha do Imperador que foi morta em Petrolina" (de 2004) e de poemas de Gregório de Mattos e fragmentos de contos dos bróders Gustavo Rios, Patrick Brock e Paulo Bullar. Sandro lerá poemas da própria lavra e versos de Waly Salomão e Lupeu Lacerda. Na trilha sonora do recital, Katherine vai tocar violão elétrico e também cantar um pouco. Na véspera, no mesmo local, às 20h, Sandro Ornellas, que além de poeta é professor de letras da UFBA, apresentará a palestra “Literatura baiana: Entre 'regionalismo' e 'cosmopolitismo' ”, tratando do cenário atual das letras em nosso estado. Quem nos leva é a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, com apoio do Ente Cultural de Tucumán. Hasta la vista!"

Não sou de profecias. Sócrates, ao ser julgado e condenado a beber cicuta, pede, então, licença para dizer algo sobre o destino de Atenas. Justifica - "Pessoas perto da morte se sentem mais à vontade em vaticinar". Por isso eu não, não me sinto tão perto dela pra ter o gosto e ficar bem em arriscar palpites para o futuro. Mas me dou hoje a permissão de soltar algo sobre o que vem aí, mesmo que isso me seja funesto: o cenário literário da Bahia terá vôos. Se não erguer seus autores, vai ao menos erguer as vontades. A Literatura na Bahia vai se naturalizar.