quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Literatura no Colégio: Incentivo ou Sabotagem?

Engraçado. Cinema não é ensinado em escolas, música só o básico do básico nos primeiros anos de formação, e nada próximo do rock’n’roll ou da musiqueta de rádio FM que é o tangível, que é o que a empregada põe pra tocar durante a faxina e nós paramos para ouvir porque a tarefa de casa não prende. Literatura sim. Está nos belo currículo de formação, tão certo quanto o professor de Física com tiques piadísticos, o conselho de classe para expulsar dois ou quatro ao fim da unidade, o supervisor com as chaves dos portões no dedo mindinho. Portanto, a Literatura passa por todos, é ouvida por todos e não cobra dez reais a meia. No ensino particular ou público, ela é trazida com sua amplitude técnica, sócio-política, histórico-cultural e não largada para o empirismo de quem quiser pegar um livro na biblioteca do pai, como quem apanha um disco do Pink Floyd na prateleira do tio, e simplesmente ler. Toma presença em cada turma de quarenta alunos, das seis de cada instituição, duas ou três vezes semana. Todavia, trata-se do segmento artístico menos popular dos três.

Claro: o colégio, nessa conjuntura de cachorrinho de balaio da vestibulice, do futuro-cristão-bem-feito, é um rei Midas às avessas, envenena tudo o que toca. Não sabe de verdade puxar quem lhes é servido e vence pelo argumento da obrigação, responde “porque cai na prova, meu filho” quando indagado “pra quê”. E o sujeito vai mal-acordado e empurrado pela família, só se alegra mesmo em acertar uma bolinha de papel na orelha de alguém e ver Ana Cláudia Gostosa com um shortinho de educação física, repudiando no íntimo o que ali em cima do tablado for dito. Aprende por duas semanas o cronograma, prometendo-se enviar aquilo para a Sra.Puta que Pariu, número 37, apt.401, depois da prova.

O afinco pelas letras sofre sabotagem a cada passagem do calendário. Agora mesmo, eu sei, eu ouço em sussurros vindos do vento. Os professores na mania do cânone mostram a Literatura como um painel formado por um cemitério de autores, na qual a última atualização aconteceu talvez na geração de 45. O best-seller da semana passada não é discutível, o livro predileto que fala de carro-fantasma matando gente é lixo, os quadrinhos ninguém nem cita ou intercala. Se o negoço é Gregório de Matos, a declamação segue apenas pelo Ditoso aquele, e bem aventurado,/que longe, e aparato das demandas/não vê nos tribunais as apelandas/que à vida dão fastio, e dão enfado e nunca pelo “De dois ff se compõe/esta cidade a meu ver/um furtar, outro foder”. Se é Jorge Amado, apenas o apelo da região cacaueira ou a fase comunista e nunca um leve up com os contos publicados na Playboy. Parca insistência na mágica que é uma estória contada, ali no papel, pronta pra quem tiver um par de olhos com vontade. A voz do professor não está excitada, os pêlos dos braços e da nuca não estão eriçados, o coração vil não segue a mil, como deveria acontecer com toda alguém que pragueja um texto literário.

Pintados por tanto tempo com tom blasé, os escritores não despertam mais deslumbramento. Não são vistos como subversivos, parceiros da rebeldia juvenil, do atentado contra o velho, mas aliados da ordem vigente. Parecem todos do tipo que iriam à reunião de pais e mestres a cada unidade, tomar chá de saquinho e discutir a grade curricular, se fossem convidados. Eles estão do lado de . Logo, lê-los não pareceria muito adequado, seria coligar-se com toda a chatice, seria provavelmente não encontrar nada que aos 16 ou 17 fornecesse uma identificação, nada que desvende essas dúvidas todas que cabem bem dentro de nós. Os escritores formam aquele quadro vazio no quadro-negro vazio.

Rechaçando esse contato na adolescência, poucos vão resgatá-lo depois. Poucos mesmo, pois a imagem nebulosa fica grudada e, com faculdade no sufoco, trabalho de um turno, cansaço à noite ou filho, esposa, mãe de Alzheimer, é difícil sentir falta de Literatura, um troço que nunca lhe foi próximo, e começar um hábito de leitor. Necessário um pretexto gigantesco para desenterrar esse trauma e despi-lo do esperma mental formalista, combinar com a folga do domingo e tchum. Aí quem conseguiu vai todo feliz espalhar que não era exatamente daquele jeito, que a coisa das letras era boa de verdade, para receber dos outros um sorrisinho que durará seis segundos, seguido de um: “Mas sim... Do que a gente estava falando mesmo? Hum. Ah!”.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei do seu blog Saulo! Li sobre ele no texto de Breno hoje no Dez! O estilo dos textos com uma rebeldia sutil mto me agradaram.
Interessante essa aversão dos alunos à literatura por uma incompreensão ou falta de um mesmo pensamento por parte dos escritores. Isso mesmo, ouvia musicas de Raulzito e Legião Urbana por falarem de coisas que eu estava pensando e sentindo mas os escritores quase nunca escreviam sobre meus pensamentos e sentimentos em seus livros. Mas mesmo assim eu me apaixonei pela literatura, por isso nunca pensei por esse aspecto ai. Estarei lançando um livro por uma editora indepentente em breve. Se puder entre nesse site
http://recantodasletras.uol.com.br/autores/malucoblz
leia meus contos e diz o q achou. Meu nome é Thiago Mourão. Abraço, voltarei mais vezes.

Unknown disse...

só discordo do autor quando este deixa a entender que estudantes da rede pública têm o mesmo acesso à literatura que os da rede particular.
Infelizmente o povão não lê nem gibi.